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Violência contra mulher: entrevista com Camila Rufato

Conversamos com a fundadora do Direito Dela sobre o cenário da violência contra mulher no Brasil.

Violência contra mulher: entrevista com Camila Rufato

A violência contra a mulher é um dos problemas de gênero mais urgentes que enfrentamos diariamente no Brasil.

Dia após dia, vemos os noticiários e as redes sociais retratarem casos de feminícidio por todo o país.

Segundo o Monitor de Feminicídios no Brasil, feito pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios no Brasil (Lesfem), até o dia 31 de agosto de 2024 já eram 1.178 casos consumados e 2.638 consumados e tentados.

No entanto, é notório que nem todos os casos de violência contra a mulher são registrados ou denunciados.

A diferença entre o número de denúncias e a estimativa de casos escancara uma dura realidade: ainda não conseguimos proteger as mulheres brasileiras de violências físicas, psicológicas, patrimoniais, sexuais e morais.

Entrevistamos a advogada especialista em direito das mulheres e fundadora do Direito Dela, Camila Rufato Duarte, para entender o cenário do combate à violência contra a mulher no Brasil.

Cenário no Brasil

Quais são as estimativas de casos de violência contra mulher que ocorrem e que realmente são denunciados no Brasil?

“As estimativas de casos de violência contra a mulher que realmente são denunciados revelam uma grande disparidade, com muitos crimes ficando ocultos.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, mais de 1,2 milhão de mulheres foram vítimas de violência no último ano, incluindo violências física, psicológica, patrimonial, sexual e moral.

O número de ações judiciais entre janeiro e maio de 2024, relacionadas a esses casos, chegou a 380.735, e as denúncias no Disque 180 cresceram 36% no primeiro semestre de 2024 em comparação ao mesmo período do ano anterior.

No entanto, apesar desses números elevados, a subnotificação ainda é altíssima. O Mapa Nacional da Violência de Gênero aponta que até 61% dos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres não são reportados às autoridades.

Mapa Nacional da Violência de Gênero mostra subnotificação de denúncias (Senado Federal)

Essa subnotificação ocorre por diversos fatores: muitas vítimas desconhecem seus direitos ou não acreditam que suas denúncias terão consequências; o medo de retaliação por parte dos agressores, que geralmente possuem maior poder econômico e social, também é um obstáculo significativo.

Além disso, a falta de redes de apoio e o atendimento inadequado por parte das instituições de segurança e do judiciário, que muitas vezes falham em acolher e proteger as mulheres de maneira eficaz, agravam o problema.”

Você acredita que a nossa legislação de fato consegue proteger as mulheres da violência? Onde nós estamos falhando?

“A legislação brasileira, se analisada isoladamente, é extremamente avançada no combate à violência contra a mulher.

A Lei Maria da Penha, por exemplo, é reconhecida pela ONU como a terceira melhor lei do mundo no enfrentamento à violência doméstica.

Ativista dos direitos das mulheres, Maria da Penha se tornou símbolo da luta contra à violência depois de batalhar pela condenação de seu agressor.

O Código Penal prevê o feminicídio – crime e hediondo e qualificado-, além de tipificar crimes como violência psicológica e stalking, colocando o Brasil em um patamar elevado em termos de legislação tendo em vista os parâmetros internacionais.

No entanto, a existência dessas leis, por si só, não garante a proteção efetiva das mulheres. A grande falha está na implementação.

A lei precisa ser acompanhada de uma mudança na cultura social e de políticas públicas adequadas.

Legislação brasileira de combate à violência contra mulher é avançada, mas não é eficiente na prática.

Muitas vezes, os órgãos responsáveis pela aplicação dessas leis carecem de profissionais capacitados e em número suficiente para lidar com o volume e a complexidade dos casos de violência.

A falta de preparo nas delegacias e no judiciário, que muitas vezes ignoram ou desvalorizam as denúncias, somada à ausência de redes de apoio eficazes, acaba perpetuando a impunidade.

Portanto, onde falhamos é na execução e no alinhamento dessas leis com a realidade prática.

Não basta ter uma legislação moderna e bem estruturada; é preciso que as instituições estejam preparadas para colocá-la em prática de maneira eficaz e que a cultura machista enraizada na sociedade seja transformada.”

Repercussão de casos de violência contra mulher na mídia

Na sua opinião, casos de grande repercussão, como o da Ana Hickman e da francesa Gisele Pelicot, fazem com que mais pessoas ganhem confiança para denunciar?

“Sem sombra de dúvidas, casos de grande repercussão como o da Ana Hickmann e da francesa Gisele Pelicot têm um impacto significativo na sociedade e podem sim encorajar mais mulheres a denunciar.

Por mais triste que seja tomar conhecimento desses casos, eles escancaram a dura realidade vivida por milhares de mulheres ao redor do mundo, revelando que a violência de gênero é uma ameaça democrática.

Qualquer mulher, independentemente de sua posição social, financeira ou de fama, está suscetível a esses crimes.

Ao expor publicamente essas situações, as vítimas demonstram que a violência pode atingir qualquer uma, e, ao verem figuras conhecidas enfrentando essa luta, muitas mulheres encontram coragem para romper o silêncio e buscar ajuda.

Esses casos também servem para lembrar a sociedade da urgência de enfrentar o problema de forma coletiva e estruturada, reforçando a importância de denunciar e combater a violência de gênero.”

Denúncias

Qual é a forma mais eficiente de denunciar os casos de violência contra mulher?

“A forma ideal de denunciar casos de violência, embora não seja possível em grande parte dos casos, é procurar ajuda jurídica especializada, de preferência com uma advogada que atue com perspectiva de gênero.

Essa profissional poderá orientar a vítima quanto à produção de provas, ajudando a evitar a revitimização, que pode ocorrer tanto na delegacia quanto no sistema judiciário.

Para além do suporte jurídico, é essencial construir uma rede de apoio forte, que inclua familiares, amigos e profissionais de saúde mental, oferecendo acolhimento e suporte emocional.

Ter acompanhamento psicológico é importante para ajudar a lidar com os traumas vividos e fortalecer a vítima para enfrentar o processo.

Na hora de formalizar a denúncia, o ideal é procurar uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, se a cidade contar com essa estrutura.

Caso contrário, a denúncia pode ser feita em uma delegacia comum ou por meio do Disque 180. O importante é que a vítima esteja amparada em todas as frentes: jurídica, psicológica e emocional.

Sinais de alerta

Quais são os indícios que devemos prestar atenção e entender se uma mulher que conhecemos está em perigo?

“Diversos são os indícios que podem sinalizar que uma mulher está em situação de perigo, sendo as mudanças comportamentais e físicas as principais para identificar sinais de abuso.

Uma mulher que esteja vivendo um contexto de violência de gênero pode apresentar isolamento social, afastamento de amigos e familiares (geralmente por imposição do abusador), demonstrações de medo ou ansiedade quando se fala em seu parceiro, ficando desconfortável em determinadas situações.

Mudanças no comportamento também podem surgir, como uma mulher antes extrovertida se tornando retraída e silenciosa, evitando contato social ou demonstrando tristeza e desânimo constantes.

Além disso, sinais físicos de violência, como machucados e hematomas frequentes, que são justificados de forma incoerente, ou o uso de roupas para esconder possíveis marcas, podem ser indícios.

Outro aspecto é a alteração em sua autoestima e confiança. Mulheres em situação de violência muitas vezes têm sua autoconfiança minada e podem demonstrar insegurança, dúvidas constantes sobre suas capacidades ou se sentirem responsáveis por conflitos que não são sua culpa.

Além disso, se observarmos sinais de um controle excessivo por parte do parceiro sobre finanças, atividades cotidianas ou o que a mulher veste ou faz pode indicar um relacionamento abusivo.

É crucial estarmos atentas aos sinais e oferecer apoio de maneira cuidadosa e sem julgamentos, pois a mulher pode sentir medo ou culpa ao falar sobre a situação – que é agravado o casal possui filhos.

A orientação geral é demonstrar acolhimento e apoio, mesmo que seja frustrante ver alguém que amamos em uma situação de violência a escolha de sair precisa ser da pessoa, e ela só vai conseguir tomar esta decisão quando estiver preparada caso saiba que possui apoio.”

Como identificar os primeiros sinais de violência no próprio relacionamento? Existe um padrão?

“Os primeiros sinais de violência em um relacionamento podem ser difíceis de identificar, mas mudanças repentinas no comportamento do parceiro são um forte indício.

Embora não haja um padrão exato, muitos abusadores variam entre agressões verbais, como gritos, e comportamentos manipuladores mais difíceis de identificar, como o gaslighting, por meio do qual distorcem a realidade para fazer a vítima duvidar de si mesma ou da própria sanidade.

Esse controle psicológico pode ser exercido de forma passivo-agressiva, com o abusador falando baixo e desqualificando a vítima de forma calma, o que muitas vezes dificulta a percepção imediata do abuso.

Um padrão observado nas vítimas é a tentativa inicial de justificar o comportamento abusivo, na esperança de não enfrentar a realidade de que o relacionamento, antes promissor, se tornou tóxico. Isso retarda a busca por ajuda e a compreensão da gravidade da situação.

É importante lembrar que as violências de gênero não se limitam a relacionamentos amorosos. Elas podem ocorrer em contextos familiares, de amizade, de trabalho e até entre mulheres, mostrando que o abuso pode ser perpetrado por qualquer pessoa, independentemente do tipo de relação.

Mulheres que defendem mulheres

O Direito Dela é a maior rede de mulheres advogadas do Brasil. No Instagram, o Direito Dela informa e mobiliza mais de 140 mil seguidoras todos os dias.

Camila Rufato Duarte é advogada especialista em Direitos das Mulheres e Direito do trabalho; Fundadora e Diretora de Conteúdo do Direito Dela; Palestrante e Consultora nas áreas de equidade de gênero, diversidade e prevenção ao Assédio; e Diretora Institucional da Comissão de Enfrentamento à Violência contra mulheres e Meninas da OAB Minas.


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