A revista Espelho Nosso apresenta a entrevista com Fabiane Albuquerque, autora do livro Ensaio sobre a Raiva.
Falando sobre o livro e o seu processo criativo, o que te levou a escrevê-lo? Como foi o processo de produzir a obra?
Eu tinha uma história real na cabeça desde que havia um pouco mais de 20 anos e era freira numa ordem alemã em Goiânia.
A história é de uma mulher da periferia, que chamo de dona Tiana no romance. Foi a minha primeira experiência, consciente, com o que Albert Camus chama de absurdo.
Dei-me conta, ao longo dos anos, e com o processo de escrita, o quanto o povo brasileiro convive com ele. Por isso resolvi escrever este livro, que não poderia ter outro nome que Ensaio sobre a raiva, afeto ainda tão subestimado pela sociedade, mas com grande poder de transformação.
O objetivo é trabalhar a raiva, dentro da literatura, de forma positiva, dando a ela o mesmo significado que dá Audre Lorde.
Me inspirei em dois ensaios, “Olho no olho: mulheres raiva e ódio, da autora citada e, o outro, de James Baldwin “Da próxima vez, o fogo”. Os autores dão um significado a este afeto: raiva é potência dos despossuídos e, enquanto tal, precisa ser canalizada para não se voltar contra o indivíduo que a sente.
A raiva é um afeto/reação diante da falta de poder na sociedade.
No livro, a personagem principal, Teodora, sai do interior de Minas para trabalhar em casas de famílias e cruza o caminho de dona Tiana em São Paulo, onde os Brasis se convergem. A trama traz personagens à margem da sociedade, que vivem a raiva, sem conseguir nominá-la.
O site da editora diz que o livro trata de “um grande ato de amor, mas tendo o ódio como grande força transformadora”. Como você vê essas duas forças?
Bem, o “ato de amor” foi a leitura da prefacionista do livro, uma jornalista que acompanhou todo o processo de criação. Talvez ela diga isso porque humanizo o povo preto, periférico, favelado, os profissionais mal remuneradas e altamente importantes para o funcionamento da sociedade. E, diferencio o ódio e a raiva, mas isso só é visível no final do livro.
A transformação está no uso da raiva, no entendimento deste afeto como legítimo de existir e que pode ser usado para o enfrentamento das opressões.
Eu fico indignada com as diversas formas com que a sociedade capitalista, patriarcal e supremacista branca doméstica este afeito nas classes oprimidas, seja através de coachs, de “terapias”, das igrejas, dos programas, da censura, sobretudo das mulheres, em particular, mulheres negras, quando se rebelam ou ousam minimamente demonstrar raiva.
Os homens jamais renunciaram ao uso da raiva. Pelo contrário, é até bem vista, sobretudo os brancos, construídos como viris e ao mesmo tempo longe dos estereótipos de selvagem que carregam os negros.
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O livro é para quem busca…
O livro é para quem busca entender a própria raiva e a raiva da sociedade, circulando muda, reprimida. Espero que no livro, encontre legitimidade. Além disso, é para dar uma boa sacudida, despir a nossa democracia e revelar as suas entranhas perversas para com o povo que mantém esta nação de pé.
É um livro para ler quando…
É um livro para ler quando se tem um mínimo de indignação pelas injustiças ao redor. Não é um romance para alienar da realidade, mas para fazer imersão nela. Sentir as dores que nos circundam, sair das bolhas, descer nas misérias humanas, no sofrimento e se sentir responsável pela transformação.
O que inspira sua escrita?
O que inspira a minha escrita são as vidas reais, as histórias quotidianas do povo, das tantas Marias que acordam na madrugada, que deixam os filhos aos cuidados dos outros, das vitimas do capitalismo, que ninguém ouve e não tem poder sequer sobre os próprios caminhos. A falta de poder da grande maioria da população brasileira ressoa em mim.
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