Sabe quando você traz uma ideia nova numa reunião de trabalho e ninguém dá muita bola, mas, se um colega homem fala praticamente a mesma coisa, as pessoas acham genial?
Na ciência, isso tem nome: Efeito Matilda. Esse fenômeno acontece quando os trabalhos de cientistas mulheres não recebem relevância ou são atribuídos a homens.
A consequência é que essas cientistas são invisibilizadas e seus nomes ficam esquecidos na história.
Por que Matilda?
Tudo começou quando o sociólogo Robert Merton publicou um artigo sobre a estrutura hierárquica na ciência, em meados do século 20. Ele desenvolve o Efeito Mateus, quando cientistas mais famosos recebem mais reconhecimento e recursos, às custas de jovens nomes da ciência.
Anos depois, analisando o texto de Merton, a historiadora Margaret Rossiter percebeu que ele se baseou em pesquisas realizadas por uma mulher, mas que seu nome só era citado em notas de rodapé.
Um padrão parecido com o descrito por Merton, só que com viés de gênero e, ironicamente, presente em seu próprio trabalho.
O nome Matilda foi escolhido para homenagear Matilda Joslyn Gage, ativista pelo sufrágio universal, feminista e abolicionista que já falava sobre o apagamento das mulheres na ciência no século 19.
Em seu ensaio “Woman as an inventor” (mulher como inventora), Matilda cita diversas contribuições femininas nas ciências e tecnologia que foram atribuídas a homens. Isso em 1883.
“Talvez, se chamarmos a atenção para ela e para essa tendência, que remonta a séculos, isso lembrará e ajudará os acadêmicos atuais e futuros a escrever uma história e sociologia da ciência mais justa e abrangente, que não deixe todas as “Matildas” de fora, mas chame a atenção para ainda mais delas.”
(Margaret Rossiter em seu artigo The Matthew Matilda Effect in Science)
A primeira “Matilda”
O caso mais antigo documentado é de Trota, médica e possivelmente a primeira ginecologista da história, que viveu em Salerno no século 12.
Em seus tratados sobre a fisiologia feminina, intitulados de Trotula, ela explica a menstruação, puerpério e como doenças venéreas se manifestam no corpo feminino. Os tratados ganharam fama pela Europa, mas a ideia de que a autora fosse uma mulher era demais para os monges da Idade Média, que passaram a atribuir os textos ao marido ou ao filho de Trota após sua morte.
As mulheres na ciência hoje
Por um lado podemos notar o aumento no percentual de mulheres em publicações de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM em inglês) que foi de 35% para 45% no Brasil – segundo o relatório da Elsevier-Bori Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil, publicado no ano passado.
Por outro, a representatividade de mulheres diminui com o avanço da carreira acadêmica e se torna menos presente em cargos altos.
E o Efeito Matilda segue presente: mesmo que a participação de mulheres em publicações científicas tenha aumentado, elas têm menos chances de ser os primeiros ou últimos nomes entre os autores (posições de maior prestígio), diz o An Unbalanced Equation: Increasing Women’s Participation in STEM in LAC, publicado em 2022 pela Unesco.
O percentual de mulheres citadas como principais autoras está negativamente ligado ao fator de impacto de um periódico.
“Em outras palavras, quanto maior o fator de impacto, menor a presença feminina”.
(An Unbalanced Equation: Increasing Women’s Participation in STEM in LAC)
Não há mais lugar para estereótipos
Segundo o documento da Unesco, o interesse em carreiras científicas é moldado por normas de gênero, preconceitos e estereótipos que devem ser combatidos nas escolas e em casa.
“Ações iniciais podem fornecer um primeiro passo para fomentar a paixão de meninas e mulheres jovens por estudos STEM e reforçar habilidades científicas e digitais.”
Lutar contra o Efeito Matilda também é necessário. Resgatar essas cientistas e seus feitos e lhes dar o devido lugar de destaque na história ajuda a construir referências reais para meninas e mulheres se espelharem.
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