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A vida depois do câncer de mama

Isadora Gonçalves conta as histórias que ouviu de mulheres que estão vencendo ou venceram o câncer de mama.

A vida depois do câncer de mama

Desde cedo, nós, mulheres, ouvimos sobre os riscos à saúde que rondam nosso futuro – somos alertadas sobre questões de prevenção, exames, doenças específicas que ameaçam nossa longevidade. 

E o câncer é, sem dúvida, uma dessas preocupações, especialmente o câncer de mama, que pode alcançar mais de 73 mil novos casos até 2025. 

Mas, apesar de amplamente conhecido, o câncer ainda é tratado como algo quase inominável, um assunto velado, temido, como se apenas dizer a palavra pudesse trazer a doença para mais perto.

Essa ideia de “não falar para não acontecer” coloca em silêncio as vivências de quem precisa e precisou conviver com ele. Mas hoje, é tempo de perdermos esse receio, de encarar o câncer de frente – não como sentença, mas como parte de uma jornada de força, ressignificação e transformação.

Nesta matéria, vamos abrir espaço para que o câncer seja falado em voz alta – como uma realidade que nos une, uma luta que desafia a todas nós, e que, ao ser compartilhada, pode fortalecer muitas outras.

Foto: Carlos Güell

Antes de tudo, falemos de mulheres.

Esse não é mais um daqueles textos que exaltam o quanto somos mais fortes do que imaginamos ou que somos capazes de enfrentar qualquer desafio. Nós já sabemos disso. E sabemos também que essa força não foi algo que escolhemos. Ela não perguntou se queríamos ser exemplos de resiliência ou inspiração. Na maioria das vezes, ela nos pegou de surpresa, pela necessidade – veio quando não havia outra opção.

Mas, sendo mulheres, cada uma carrega suas próprias batalhas, e o que nos tornou fortes se manifesta em muitas faces. Dessa vez, eu encontrei uma face que ainda não conhecia tão profundamente: a das mulheres que precisam – e precisaram – encarar o câncer de mama. Essa força que surge não por escolha, mas porque, mais uma vez, a vida exigiu.

No caso do câncer de mama, uma frase que ouvi no evento Elas, promovido pela ONG Dia de Magia, mudou completamente minha perspectiva sobre o diagnóstico dessa doença. Alguém comentou que “é como cair em um buraco, mas que você precisa escalar para sair dele.” E, de fato, a vida não pára depois de receber o diagnóstico – ela apenas adiciona uma nova realidade com a qual se precisa lidar.

Essa frase me fez refletir sobre como, ao colocarmos o câncer em uma posição de distanciamento, acabamos nos afastando também da realidade diária de quem convive com ele. Muitas vezes, falamos da doença como se ela tomasse a totalidade da pessoa, mas esquecemos que essas mulheres continuam a viver e a enfrentar todos os desafios cotidianos – preocupações, trabalho, família, projetos e sonhos. E foi sobre isso que conversei com algumas das participantes.

O que acontece com a autoestima? 

Há décadas, discutimos a pressão que nós, mulheres, enfrentamos em relação à aparência. Esse tema permeia nossa sociedade de diferentes formas, e pode alcançar níveis de crueldade como retratados no filme A Substância, que escancara como podemos ser as principais agentes dessa tortura.

Somos as primeiras a nos cobrar um padrão inalcançável, uma rigidez cruel, como se nossa imagem fosse o único reflexo do que somos.

Conversando com Heloísa de Menezes, ou como ela prefere – Helô, descobri um novo olhar para essa questão. Helô teve dois cânceres e, cinco anos depois do diagnóstico inicial, ela não só aprendeu a se amar como é, mas também redefiniu o que o amor próprio significa.

“O câncer chegou pra me dar uma sacolejada”, contou. A doença trouxe essa nova perspectiva, que não veio sem dor, mas trouxe o alívio de finalmente ver o valor do que, antes, podia passar  despercebido, “eu tenho duas vidas, uma antes e uma depois do câncer.”

Foto: Mariana Moraes

Helo aprendeu a abraçar, de verdade, o corpo que agora via no espelho. Tudo faz parte de uma versão de si que ela mesma ressignificou. “Não é muito mais saudável andar do jeito que eu tô, sem precisar do sutiã me apertando?”, diz, brincando sobre o desconforto da prótese que, vez ou outra, insiste em “fugir”.

Esse seu humor, virou também a sua forma de encorajar outras mulheres: um lembrete de que aceitar a própria imagem é um ato de coragem e de carinho. 

Mas Helô não apenas carrega sua própria história; ela se tornou uma voz para outras mulheres, incentivando-as a ver o autocuidado e a autoestima como companheiros nessa jornada.

“Quando você está em paz com você mesma, tudo se transforma”, explica. “Porque se a gente fica para baixo, se afunda, a vida pesa ainda mais. Mas quando você começa a se cuidar, a valorizar o que importa, algo muda. Não tem como querer que algo aconteça, se você mesma não acredita.”

Para Helô, essa é uma das lições mais valiosas que ela compartilha com outras mulheres, especialmente aquelas que ainda olham o câncer com receio.

Ela insiste: “Quando verem uma pessoa carequinha de lenço, não olhem com pena. Diga um ‘oi, tudo bem”.

Ela reforça que tão grande quanto a vitória contra o câncer, foi aprender a se olhar com amor – e, a partir daí, entender o que realmente significa viver, como uma mulher completa.

Nada pode nos tirar de nós mesmas

O que uma mulher precisa para se manter inteira diante da ameaça de Tânatos? Para Marisa Timponi, escritora e finalista do Prêmio Jabuti 2010, a resposta sempre esteve naquilo que mais ama: as palavras. Diagnósticos, tratamentos e até o edema que a impediu de escrever por um tempo não conseguiram afastá-la dos livros, das histórias que ela tanto valoriza.

Foto: Mariana Moraes

Desde o momento em que ouviu “câncer” pela primeira vez, em 2000, Marisa decidiu que não abriria mão daquilo que era seu. Mesmo quando a doença levou cada fio de suas sobrancelhas ou marcou sua pele pela radioterapia, ela sabia que tinha um lugar seguro – onde a companhia das histórias serviam de lembrete de quem ela é.

A conversa com Marisa trouxe à tona como em um momento de vulnerabilidade extrema, como o câncer, é fácil se perder no medo, na incerteza ou no estigma da doença. E a verdade é que, quando estamos frente a frente com algo que ameaça quem somos, percebemos o valor de nos mantermos conectadas ao que constitui nossa essência, aquilo que ninguém pode tirar. Foi isso que a escrita sempre representou para Marisa. Entre os livros e suas próprias palavras, ela sempre pode encontrar uma verdade que nenhuma circunstância poderia apagar.

“Escrever me manteve em movimento. Mesmo quando minha mão não colaborava, minha cabeça continuava viajando com as ideias”, conta.

Ela fala como encontrou nos livros e na escrita uma forma de passar por esse período, mantendo sua essência apesar de tantas mudanças que estavam acontecendo: “É ali que me encontro e me reconstruo, como uma fênix que aprende a criar novas asas,” diz Marisa.

Foto: Arquivo pessoal

Esses momentos com ela me fizeram perceber uma verdade que espero que outras mulheres também enxerguem: há momentos em que apenas nós mesmas podemos nos salvar. Que é justamente nos detalhes do que amamos e naquilo que preservamos que encontramos nossa força.

Esse “eu” que nos protege e nos define não pode ser deixado para trás. Mesmo nas horas mais difíceis, somos nós que podemos nos manter firmes, completas, inteiras.

O poder de se redescobrir 

Não é a primeira vez que ouvi essa frase, mas talvez seja a primeira vez que você vai lê-la: “minha vida é melhor depois do câncer”. Essa é uma frase que escutei saindo da boca de várias mulheres durante o evento.

A princípio, me perguntei se isso se daria somente pelo fato de terem vencido a doença, mas logo percebi que era algo maior.

A vida pós-câncer deu a oportunidade para que muitas delas redescobrissem a si mesmas – novas versões, antes esquecidas, ignoradas, apagadas, limitadas, escondidas, despercebidas.

Quando a doença se torna um capítulo na vida dessas mulheres, uma nova história ganha espaço para ser escrita.

Foto: Mariana Moraes

Cleonice dos Santos, membro da diretoria de presidência da Ascomcer, faz parte oficialmente do grupo das vitoriosas há dois meses, após ter lutado durante quinze anos contra dois cânceres – o segundo apareceu sete anos após o primeiro.

A descoberta do nódulo ocorreu da forma mais incentivada no Outubro Rosa, aquela que você vê em todos os cartazes: através do autoexame durante o banho, que possibilitou um início de tratamento rápido. Entretanto, ela conta que a recepção da notícia pelo médico, um homem, foi longe do que seria considerado adequado: 

“Após o exame de ultrassonografia, eu já tinha entendido que estava com câncer, mas, ao fechar a porta, sem o menor toque, ele disse: ‘Vai ter que tirar isso daí’. Eu escutei aquilo e voltei para perguntar, sem acreditar na forma como ele disse, e ele repetiu. Acho que ele não teve noção de que estava falando da minha mama, onde foi o primeiro alimento da minha filha”.

“Enfim curada”, como a própria diz, Cleonice agora dedica parte dos seus dias ao voluntariado na Ascomcer, lidando diretamente com mulheres e homens que estão enfrentando a mesma luta.

“Quando estou lá, agora ajudando aqueles que ocupam os mesmos lugares que eu há pouco deixei, o sentimento que me toma é de gratidão. Gratidão por aqueles que me acolheram e cuidaram de mim, para que eu agora possa estar cuidando de outros.”

Ela até comenta que chega a sentir saudade do espaço, mas, claro, sente saudade de estar diariamente com aquelas pessoas que tanto a ajudaram durante esse período.

Fotos: Arquivo pessoal

Quem conversa com Cleonice percebe que esse sentimento de agir ativamente para que tudo ocorra da melhor forma está presente no seu jeito de ser – algo que se manifestou com sua filha durante o período do câncer.

“Assim que descobri o diagnóstico, minha maior preocupação foi preparar a minha filha para que ela pudesse saber se cuidar da melhor forma caso eu não estivesse mais aqui. Acho que esse é o principal pensamento de toda mãe.”

Agora, ela utiliza essa característica de fazer com que tudo fique certo no espaço que ocupa na diretoria da presidência da Ascomcer, e usa sua vivência para ajudar na tomada de decisões sobre como lidar com os pacientes: “Agora eu consigo ajudar para que as coisas andem direito.”

Se você chegou até o final dessa matéria e teve a sensação de que ela não seguiu o rumo que esperava, então atingi o meu propósito.

No Dia de Magia, cheguei com uma ideia do que iria encontrar, mas, ao ouvir essas mulheres, fui conduzida a novas realidades e descobertas.

Cada história compartilhada ali me mostrou que enfrentar o câncer vai muito além do que imaginamos. E que o verbo “vencer” pode ter muito mais significados do que vemos nas manchetes.


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2 respostas

  1. Matéria de utilidade pública! Muito oportuna e bem focada! Sinto-me contente por ter concedido entrevista sobre o que passei com/pós câncer de mama.

  2. Sua cobertura da pauta câncer está magnífica! Esse é um tema difícil para muitos! Mas é necessário esclarecer sobre o assunto. Parabéns, querida Isadora!

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